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domingo, 19 de setembro de 2010

Ensaio sobre a dádiva (Marcel Mauss) por Nádia Aguiar Parte II


O estudo de dados sobre essas formas arcaicas de contrato, vale lembrar que esse não se faz como um trabalho de campo do próprio Maus, mas como estudo de dados etnográficos de outros antropólogos, como por exemplo Malinowski, Mauss observa na costa noroeste da América do norte e no Pacífico, que essas trocam não são feitas entre os indivíduos, mas que se constituem em obrigações mutualmente coletivas em trocar e contratar.

E que essas trocas não são apenas bens materiais, riquezas e coisas economicamente úteis mas que tudo é trocado: gentilezas, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras. A essas trocas, Mauss denomina como sistemas de prestações totais (:45)

Entre os tlinkit e os haida, tribos do noroeste americano, ocorre uma forma típica dessas prestações totais, chamada de potlach (que quer dizer alimentar, consumir), onde essas prestações totais são do tipo agonístico, já que “nesse” potlach ocorrem lutas, competições, que asseguram entre eles uma hierarquia que resultará em proveito para seus clãs.

Ao analisar as dádivas em tribos do Pacífico, inicialmente Mauss não os conferia a característica do potlach, já que nessas tribos a dádiva não era acompanhada pela competição e pela luta, entretanto o elemento da honra de dar e a obrigação absoluta, como condições sine qua non do potlach estavam presentes.

Porém, a questão da dádiva, não se fazia meramente nessa troca das prestações totais. Não é somente o algo que é trocado, mas como exemplificado nos Maori, a troca é veículo do mana, de sua força mágica, religiosa e espiritual. Ou, o hau, o espírito das coisas, explicado na fala de uma nativo :

“Vou falar-lhe do hau...O hau não é o vento que sopra, se você possui uma determinado artigo (taonga) e o dá sem um preço fixo, nós não fizemos negócio com isso. E se eu dou esse artigo a uma terceira pessoa que depois de um tempo, decide me dar alguma coisa em pagamento (utu), presenteando-me com alguma coisa (taonga), esse taonga que ele me dá, é o espírito( hau) da taonga que recebi de você e que dei a ele.”

Ou seja, as coisas dadas, possuem propriedades pessoais, que tem hau, um poder espiritual. E ao ser dado, não é somente a coisa que se faz dada, mais também esse espírito pessoal. Mas aquele que recebe não pode conservar consigo esse espirito, podendo até morrer caso permaneça com ele.

No direito Maori, o vínculo de direito, vínculo pelas coisas, é um vínculo de almas, pois a própria coisa tem uma alma, é alma. Disso segue que presentear alguma coisa a alguém é presentear alguma coisa de si.(...) aceitar alguma coisa de alguém é aceitar alguma coisa de sua essência espiritual, de sua alma. (:56)

A obrigação se faz em três pontos: dar, receber e retribuir. E um dos pontos que se está nessa estrutura dá-se pela implicação de evitar-se guerras, pois ao se recusar dar, deixar de convidar ou recusar-se a receber algo, equivale a declarar guerra, pois isso é concebido como recusa a uma aliança e a comunhão. E todas essas instituições, elabora Mauss, expressam-se em um único regime social em uma única mentalidade definida. Essa transmissão e retribuição, faz-se como uma troca constante da matéria espiritual que compreende coisas e homens, clãs e indivíduos, repartido entre categorias, sexos e gerações. (:59)

Seguindo o pensamento das prestações totais e dos fenômenos totais, essas trocas também são realizadas entre homens e deuses. O potlach produz um efeito não só sobre homens que rivalizam em generosidade, mas também sobre as coisas que neles se transmitem, e que um dos primeiros grupos de seres com os quais os homens tiveram que contratar foram os espíritos dos mortos e dos deuses, pois eram eles os verdadeiros proprietários das coisas e dos bens do mundo. Com eles era mais necessário trocar e mais perigoso não trocar.

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